A Minha Vida


I

Visita-me o dever; tenho de opor-me
Ao que para todos é dever lutar.
Ó abulia que manchas minha mente
Deixa-me, livre, o que é justo buscar!

Leva o sono vil de gelados planos,
Dá-me o impulso para que o bem faça,
Combatendo o velho e impondo o novo
Antes que o Tempo a vida vã desfaça.

Sinto penetrante todo o sofrimento
De homens e pátrias, em funda aflição;
Mas sem um desejo de manifestar-me
Permaneço imóvel, em beleza não

Mas como a água, suja e estagnada,
Em lodaçal inerte, isolado,
Fechado ao saber cultivado e fresco
E do bem-fazer, como os outros, privado.

Sempre dor, sempre sofrimento! Dor
Que enche a vida como o tempo sequente,
Que vai do íntimo, tenso acordar
Até raros medos quando indolente.

Horror, desespero, loucura que sente
O seu gosto amargo até vacilar,
Horror da mente que volteia e cai
Sabendo onde chega o seu voltear.

Lamento o passado e temo o futuro,
Choro e desejo o que nunca fui eu,
Aquilo que não houve na Natureza
E o que havendo nunca será meu.

Saudade do prazer que é já passado,
Tristeza da dor outrora vivida,
A dor do que visto em vagas visões
É apenas eco da amargura tida.

O conhecer que sonho é sonho apenas,
O saber que a vida tem pouca valia:
Passa, e a alegria de que se vestiu
Foi, quando muito, sombra de alegria.

Pensando nos fados dos homens e coisas
Minha alma fica fraca e sombria,
Vendo o Pensamento se firmar nas asas
Que sobre a paisagem abre a Fantasia.

Penso sobre o bem e penso no mal
E ambos loucos me querem parecer;
Um que não existe, embora devesse,
Outro porque sendo, não devia ser.

Nada me é claro; tudo duvidoso
Ao Pensar excessivo, tudo confusão;
Ai daquele que pensa em trabalho
Pondo de parte toda a Convenção.

Esse acha que o Hábito, ínfima coisa,
É rei e rainha, lei, fé, convicção,
Que conosco passa nossa própria morte,
Que o Hábito não morre em nosso caixão.

Deploro os tronos, as prisões, as tumbas,
Contudo me alegro um pouco com a dor:
Haver quedas, mortes e condenações
Dá aos olhos loucos um certo fulgor.

Muito choro as almas sós, rejeitadas,
Que em estreitas celas vivem sem um fim,
Mas o chorá-las desperta o desagrado
De que nos outros só choro por mim.

Lágrimas por mim; para que a dor dos homens,
Nunca erradicável, se dê a saber,
Que importa o auge da dor que se atinge?
Talvez que a sua origem deixem de saber,

E que eu possa esquecer esta pena minha,
Esquecer-me de mim ah, se eu pudera!
Tal como o bêbado se esquece com o vinho
Ou como o pedinte na sua miséria.

Seria loucura, mas doce loucura,
Melhor que desperto, em plena razão,
Ela que abrange em completa unidade
Todas as dores da minha aflição.

Seria loucura; melhor que saber
Que o mal é fonte da vida e pensar,
Pois para a sentir basta a dor imensa
Que sobre a consciência vem operar.

Sentir-me excluído, triste e sozinho,
Leproso por dentro, em chaga o próprio ser,
É miséria tal que passa o queixume,
Melhor delirar, fingir não saber.

Melhor? Mas quem sabe? Quem pode achar
O mistério da razão e do consciente?
Em loucura e pensar, que coisas se passam?
Até onde desce o horror na mente?

II

Esta a minha vida; que futuro terei?
Em horror me canso além do chorar,
Pensando como a vida só me tortura,
Cuidados e medos nascem do Pensar.

Ontem falaram-me de juventude.
Jovem? Vida? Doze anos de prazer,
Os sete seguintes de desassossego —
Um sono de doze e sete a sofrer.

Tempo, que cansaço! Sons, gestos, coisas,
Como estou farto da vossa visão...
Dá-me, ó Sonho, as mais puras asas
Que levem meus gritos desta solidão!

Que eu encontre o Céu que há nesta Vida —
Morte, mãe de tudo o que parece ser.
Faz morrer a mão que não soube lutar,
A mente que se esforçou por viver!

III

Vida — o que é a Vida? Morte — o que é a Morte?
Meu pensar nisto se move, como alguém
Que lê no escuro até não ver, de dor;
De meu coração, lento, o sangue vem.

IV

Trabalhar? Não consigo. Estar alegre?
Perdi há muito o riso, não certo humor
Onde Apatia e Desespero se cruzam,
E podre e decadente é seu odor.

Fazer o bem? Para isso tende o desejo
Mas a vontade cede à evidência;
Tornei-me o alvo do Entendimento
Que mais não é que mera Consciência.

De que lhe vale trabalho e ralação,
Vida e pensamento feitos agonia?
Não será a vida a bola de sabão
Que criança sopra na mente vazia?

E que valem arte, versos, canções
Tudo o que em si mesmo seu corpo tem?
Meu coração bem sente o mal humano,
Mas eu, indiferente, vivendo bem.

E de que vale o empalidecer
Ante a infindável, muda erudição,
Até que os sentidos gastos desfalecem
E frio, insensível, resta o coração?

O que valerá? Nada vale nada.
Melhor é o sono; seja a tumba o leito
No seio da terra onde, vida e pensar
Se troquem por paz, o corpo desfeito.

Alexander Search, em "Poesia"

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