Primeira Questão

Fotografia: Jifeng Zhang

Quem és? De onde vens? Que fazes? Que será de ti? É uma pergunta que se deve fazer a todos os seres do universo, mas à qual ninguém nos responde. Pergunto às plantas que virtude as faz crescer e de que maneira o mesmo solo produz frutos tão diversos. Esses seres insensíveis e mudos, embora providos de uma faculdade divina, abandonam-me à minha ignorância e às minhas vãs conjecturas.

Interrogo a multidão de animais diferentes, que possuem todos o movimento e o comunicam, que desfrutam das mesmas sensações que eu, que têm uma dose de ideias e de memória com todas as paixões. Eles sabem ainda menos que eu o que são, por que são e o que será deles.

Suspeito, tenho até mesmo motivos para acreditar que os planetas que giram em torno dos sóis inumeráveis que enchem o espaço são povoados de seres sensíveis e pensantes; porém uma barreira eterna nos separa e nenhum desses habitantes dos outros globos se comunicou a nós.

O sr. prior, em O espetáculo da natureza, disse ao sr. cavaleiro que os astros são feitos para a terra, e a terra, assim como os animais, para o homem. Contudo, visto que o pequeno globo da terra gira com os outros planetas em torno do sol; que os movimentos regulares e proporcionais dos astros podem subsistir sem que haja homens; que há em nosso pequeno planeta infinitamente mais animais do que meus semelhantes, pensei que o sr. prior tinha um pouco de amor-próprio demais ao se orgulhar de que tudo fora feito para ele; vi que o homem, durante sua vida, é devorado por todos os animais se está sem defesa e que, além disso, todos o devoram após sua morte. Assim tive dificuldade de conceber que o sr. prior e o sr. cavaleiro fossem os reis da natureza. Escravo de tudo o que me cerca, em vez de ser rei, comprimido em um ponto e rodeado pela imensidão, começo por buscar-me a mim mesmo.

Voltaire, em "O Filósofo Ignorante"

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